terça-feira, 27 de maio de 2014

O Segredo do Abismo

Você já teve alguma experiência ou oportunidade de encarar e controlar o seu medo? De repente a vida nos coloca diante de grandes desafios em que tudo depende da nossa coragem, do poder de decisão, mas isso não significa que você deixará de ter medo e sim assumir o controle das suas reações. Não é evitando os desafios ou o desconhecido como resposta. Eu já tive grandes momentos de medo, o que sempre me faz parar pra pensar e refletir sobre se o que eu estou fazendo é bom ou ruim pra mim, me questiona qual seria a resposta naquele momento para encontrar o ponto de equilíbrio quando estou diante de um abismo.

No esporte e na vida viver com coragem não é fugir do medo! Uma vez me perguntaram: o que é altura pra você? Eu respondi prontamente! _Respeito, eu tenho medo! E é isso que me mantém vivo, nós devemos ter sempre esse medo que é uma forma de respeito à segurança. Sem o medo a gente acaba sendo inconsequente! Então o medo se torna importante, ele está sempre presente e é o que gera adrenalina. Se não gerasse adrenalina seria algo desinteressante e no Highline e na Escalada pra mim é assim, o medo está sempre presente, vai sempre existir e deve ser sempre respeitado!

Eu recentemente fiz uma escalada no Corcovado com meu amigo Istácio Vieira onde vivi mais uma grande experiência desta em que, ao mesmo tempo em que demonstrei coragem, dada a minha experiência na escalada e em ambientes em altura, tive que revelar o medo para mostrar ao meu parceiro que na montanha deve haver sempre um meio termo, para que assim a gente possa planejar as nossas ações e controlar as reações para manter o equilíbrio e se mover com segurança. Meu amigo é um jovem fotografo de 18 anos e nunca tinha escalado uma montanha, porém já havia tido algumas experiências de escalar pequenas paredes e manusear os equipamentos básicos para a segurança, mas sem autonomia, o que requer sempre um olhar atento a todo o momento para que ele não deixasse de ficar preso em algum ponto.

Apesar da escalada por si só já ser um grande desafio, a contar pelo acesso até chegar a parte alta da montanha para escalar essa Via(rota) clássica no Rio de Janeiro chamada K2, o meu objetivo era ainda mais audacioso do que levar um escalador com pouca experiência para escalar essa montanha até o seu final e poder sair no Cristo Redentor, mas como sou guia e instrutor de escalada, toda essa parte para mim seria apenas mais uma aula, um treinamento e o privilégio, claro! De está novamente escalando esta montanha sagrada, com total comprometimento de quem a deseja escalar, como fazemos todas as vezes em que tiramos o pé do chão para alcançar um cume especial como este. Há muitos anos escalo esta montanha e pelo menos há seis anos desde que comecei a praticar Highline eu tinha vontade de abrir uma Linha entre o vão que se forma antes da ultima parte desse paredão nessa escalada. E foi a busca por mais esta realização que me levou a viver mais esta grande experiência.

Em todo esse tempo eu planejei ir vária vezes, mas acabei não indo! Por se tratar de uma escalada não muito fácil para subir com todo material pesado de conquista e por ter o acesso à base da parede um tanto longe, acabava não conseguindo apoio para ir de carro e assim adiava, cheguei a convidar vários outros amigos mais experientes para escalar comigo, mas de nenhuma forma foi possível até num determinado momento em que percebi que o que faltava mesmo era dar o primeiro passo, pois atitude, experiência e disposição eu já tinha. Então convidei de um dia para o outro o meu amigo fotografo Istácio Vieira que seria meu parceiro nessa missão e o conhecimento dele seria essencial para fazer o registro dessa primeira travessia no Highline.

Na mesma tarde em que planejamos a missão conseguimos um apoio de carro do nosso amigo Elias Maio, o qual seremos sempre grato pela grande ajuda em nos levar de carro até o estacionamento das Paineiras, o que facilitou o nosso acesso a trilha que leva para as escaladas na parte alta, se não teríamos que caminhar por pelo menos umas três horas só de ida. E assim partimos para esta missão, na mochila apenas o mínimo necessário, mesmo assim a mochila foi extremamente pesada então tive que arrastá-la parede acima. Escalamos por durante quatro horas até chegar na penúltima parte da parede que culmina no mesmo ponto da outra Via chamada Macaco Prego do outro lado do vão. Instalei os pontos de ancoragens, preparei todo esse primeiro lado e continuamos a escalada para acessar o lado oposto. Como estávamos somente com o mínimo de equipamento, deixei a corda principal para o backup da Linha e tivemos que escalar o restante da Via com apenas 20 metros de corda, o que não foi possível para acessar o outro lado através de rapel, então para não perder a viagem tive que desescalar o ultimo trecho após descer meu parceiro com segurança usando a corda.

Instalei os pontos de ancoragens desse outro lado e depois de mais algumas horas recolhi a cordinha que tinha lançado, puxei a fita, equalizei todos os pontos, tencionei o Highline sozinho enquanto meu amigo se encarregava de registrar tudo, e finalmente pisei na fita para experimentar mais uma vez essa sensação do desconhecido. A linha de aproximadamente trinta metros sobre uma exposição de mais de quatrocentos metros de altura bem embaixo dos meus pés, estávamos próximo ao topo do Corcovado que se sobressai no meio da Zona Sul com seus setecentos e dez metros de altitude. Nesta hora, por um breve instante hesitei se eu realmente precisava fazer aquilo? Aí me veio na cabeça toda a experiência que acabara de ter, que trouxe meu amigo e eu até o final dessa escalada, realizando o sonho dele de escalar o Corcovado pela primeira vez, tudo aquilo, por mais que já tivesse realizado o sonho de outros montanhistas escalando essa mesma Via várias outras vezes, essa era uma experiência nova, um aprendizado diferente. Lembrei que durante a escalada eu o ajudava o tempo todo a manter o foco na escalada, ensinando-o a desvendar o segredo do abismo, de se concentrar para manter o equilíbrio e assim consegui se movimentar! A resposta para estes momentos, que somente assim conseguimos experimentar o novo, e fui rapidamente controlando o medo. Certamente essa dúvida foi só por alguns segundos, pois logo percebi que tinha feito tudo certo, e não teria o menor problema se não conseguisse atravessar a fita naquele momento, a conquista da Linha estava terminada, todo o trabalho tinha terminado e poderia voltar outro dia para ter o privilégio de encarar novamente o desafio e atravessar o Highline, se fosse o caso. Mas após passar esses segundos de hesitação, dei o ok para o Istácio fazer o registro da travessia que eu iria andar. Estava sentado na fita sobre o vazio, levantei e suavemente caminhei, no meio as pernas sempre tremem um pouco, cheguei a pensar novamente que não conseguiria naquele momento, mas me concentrei e andei até o fim, comemorei um pouco a travessia do outro lado, dando uns gritos para liberar a adrenalina, pisei na fita novamente e atravessei de volta sem cair uma só vez. Como dizem: de primeira! O tempo todo eu acreditei que era possível, sempre controlando a adrenalina que se manifesta através do medo, tremedeira nas pernas e coração acelerado, reflexos de pensamentos que por pequenos instantes nos questionam parar ou continuar. Assim eu descobrir mais uma vez que tudo depende de nós mesmo. Se você está diante do seu desafio é porque você teve capacidade de chegar até ali, claro! Mas continuar é uma opção, a melhor escolha, pois o primeiro passo é sempre o mais importante e é acreditando e controlando os nossos medos que tudo dar certo. A resposta que precisava estava em mim. O medo pra mim não é mais uma sensação que me aprisiona, o medo sob controle me faz querer ir além. Me surpreende com o novo a cada passo no desconhecido e aguça ainda mais meus pensamentos, é através do medo que eu experimento a dose mais forte da adrenalina, o que é bom só por um momento! Não é com muita coragem e nem sem, não é papo de otimismo, o controle do medo é o segredo do abismo. E assim mais uma linha incrível de Highline na Zona Sul foi conquistada, e por essa experiência maravilhosa que tive a batizei de O Segredo do Abismo.

Agradeço pela visita, acesse e curta a Fanpage para acompanhar as fotos desse magnífico Highline: Atleta Gideão Melo
Até a próxima!

Nenhum comentário:

Postar um comentário